A importância da mediação

"Todo contato humano se dá por meio de uma leitura, em seu sentido mais amplo: lêem-se as histórias que possuem aquela criança, as histórias que ela deseja possuir, as histórias que tocam as da criança, e, se esse momento for tratado com cuidado e carinho, nascerá toda uma nova família de histórias, uma rede delicada cuja beleza poderá gerar fios que se entrelaçam infinitamente"
Heloisa Prieto

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Equipe de professores e técnicas pedagógicas da SUEF (Ensino Fundamental) - SEEC/RN - comprometidas com a elaboração de uma proposta de trabalho a ser desenvolvida com os professores da rede pública do estado (RN), tendo como meta desenvolver uma reflexão acerca da importância da leitura como fonte de conhecimento, entretenimento e interação com o mundo e com os semelhantes; bem como, pensar, discutir e selecionar estratégias para a utilização do texto literário na sala de aula.

domingo, 24 de abril de 2011

Crucificar Monteiro Lobato?


No final de outubro de 2010, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou um parecer sugerindo a exclusão do livro Caçadas de Pedrinho (1933), de Monteiro Lobato, das escolas públicas – sob a alegação de que a obra trazia conteúdo discriminatório.

A medida alcançou repercussão nacional. Inúmeros leitores que se deliciaram com as histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo vieram a público manifestar sua indignação frente ao parecer. Entre eles, escritores conhecidos como Lya Luft que, consternada, escreveu em sua coluna na VEJA o artigo Crucificar Monteiro Lobato?

Aproveitando a homenagem feita a Monteiro Lobato no nosso 12º Encontro de Mediadores de Leitura,pedimos licença à Lya Luft, à Veja edição 2190, ano 43, n.º 45, 10/11/2010, pág.26 para citar no blog Mediadores de Leitura o artigo “Crucificar Monteiro Lobato?”

Leia e opine, você também.
            
            CRUCIFICAR MONTEIRO LOBATO?

"Que não comece entre nós,
banindo um livro infantil do 
mais brasileiro dos nossos
escritores, uma onda do mal, 
uma nova caça as bruxas,
marca de vergonha para nós"

No curso de uma vida somos submetidos a muita insensatez e muita tolice. Nem tudo é Mozart ou Leonardo da Vinci, carinho de amigos e filhos, abraço de pessoa amada. Então, a gente vai ficando calejado, para não expor demais a alma como alguém a quem retiraram a pele, e a quem a mais leve, mais doce brisa parece um fogo cruel. Pois nestes dias me deparo na imprensa com algo que rompeu minhas defesas e me fez duvidar do que estava lendo. Reli, mais de uma vez, em mais de um jornal, e ali estava: querem banir das escolas um livro (logo serão todos, logo serão de muitos autores, não importa por que motivo for) de Monteiro Lobato, porque alegadamente contém alusões racistas.
             Ora, gente, eu fui nutrida, minha alma foi alimentada, com duas literaturas na infância: os contos de fadas de Andersen e dos irmãos Grimm, e Monteiro Lobato. Duas culturas aparentemente antípodas, mas que se completavam lindamente. Narizinho e Pedrinho moravam no meu quintal. Emília era meu ídolo, irreverente e engraçada. Dona Benta se parecia com uma de minhas avós, e tia Nastácia era meu sonho de bondade e aconchego. Eu me identificava mais com elas do que com as princesas e fadas dos antiquíssimos contos nórdicos, porque jabuticaba, bolinho, bichos e alegria eram muito mais próximos de mim do que as melancólicas histórias de fadas e bruxas – raiz da minha ficção.
            Toda essa introdução é para pedir às autoridades competentes: pelo amor de Deus, da educação e das crianças, e da alma brasileira, não comecem a mexer com nossos autores sob essa desculpa malévola de menções a racismo. Essa semente terá frutos podres: vamos canibalescamente nos devorar a nós mesmos, à nossa cultura, à nossa maneira de convivência entre as etnias.
            Com esse perigosíssimo precedente, vamos começar a “limpar”, isto é, deformar muitos livros. Japoneses, árabes, alemães, italianos, poloneses, índios e negros (ou não posso mais usar essas palavra?) sofrem ou podem sofrer ataques racistas. Isso é motivo de penalidades da lei para os racistas, se for o caso. Racismo dói, eu sei disso. Quando menina, certa vez um grupo de crianças nem louras nem de olhos azuis me cercou no pátio da escola, e elas dançavam ao meu redor cantando “alemão batata come queijo com barata”. Não gostei. doeu-me. Hoje acho graça: na hora não foi engraçado.
           Mas por isso vamos cavoucar em livros de história e banir os autores – o que só se admite em casos claros de repugnante racismo, não importa contra que raça for, diga-se de passagem? Essa planta rasteira, que vai contaminar nossa cultura, tem de ser cortada pela raiz. Ou a caça às bruxas vai se disseminar feito peste, pois é uma peste, iniciando um processo multiplicador de maldades comandadas por inveja, ou seja o que for, destruir obras, vidas, memórias, e atacar sobretudo as almas infantis como insetos daninhos. Não permitam isso, autoridades responsáveis e competentes: uma vez iniciado, esse processo não terá fim.
           O politicamente correto pode ser perigoso e hipócrita. Os meus olhos azuis, como os de um de meus filhos, e os olhos escuros dos outros dois, como os oblíquos dos japoneses e os olhos pretos dos árabes, são todos da família humana, muito maior e mais importante do que suas divisões raciais.
           Nem comecem a dar ouvidos a essas buscas mesquinhas por culpados a ser jogados na fogueira: livros queimados foram um dos índices sinistros – ao qual nem todos deram a devida imprtância – da loucura nazista. Muita tragédia começa parecendo natural e desimportante: no início, achava-se Hitler um palhaço frustrado. Deu no que deu, e manchará a humanidade pelos tempos sem fim.
           Que não comece entre nós, banindo um livro infantil de Monteiro Lobato, o mais brasileiro dos nossos escritores: será uma onda do mal, uma nova caça às bruxas, marca de vergonha para nós. Não combina conosco. Não combina com um dos lugares nesta conflitada e complicada Terra onde as etnias ainda convivem melhor, apesar dos problemas – devidos em geral à desinformação e à imaturidade: o Brasil.

Veja edição 2190, ano 43, n.º 45, 10/11/2010, pág.26.





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